Muito antes de ser Brasília, antes de os portugueses colonizarem o Brasil, os indígenas macro-jê já habitavam estas terras. No século XVIII, por aqui passava o traçado da linha do Tratado de Tordesilhas, que dividia os domínios portugueses dos espanhóis e tornou-se também rota de passagem para os garimpeiros portugueses. O povoado de São Sebastião de Mestre d’Armas, atual Planaltina, surgiu bem antes dos primeiros traçados de Niemeyer e Lúcio Costa e, de lá até hoje, tem muita história…
Aqui se encontra o mundo, o mineiro, o goiano que nos acolheu, o carioca que nos permitiu ser capital, o nordestino, o nortista, o sulista, as mais de cem embaixadas, tantas culturas, credos, músicas e pratos típicos.
Tacacá no Guará, o Cruzeiro do samba, buchada de bode nordestina, Clube do Choro, pastel da Rodoviária, a bandeira da pátria, a tal praça com superpoderes, tanto monumento que saio do eixo, benza Deus essa Catedral… Bah! é coisa demais, o loco meu, só do alto da Torre de TV pra ti ver o tanto de trem, só falta você e se perder o de hoje, só amanhã de manhã.
O brasiliense importado não nega seu passado e jura de pé junto que vai voltar pra terrinha natal. Todos cumprem a promessa, a maioria por aqui mesmo, afinal, para quem respira estes ares, caleja, sua, trabalha, vence, vive as quatro estações num dia só, a terrinha é aqui.
Patrimônio da humanidade por sua arquitetura, melhor seria por ser uma amostra do mundo. Quantas histórias, vitórias, sonhos e desejos desembarcaram em Brasília. Calo, suor, estudo nem sempre, trabalho bastante, a profecia de Dom Bosco vinda do céu por onde voaria o rabisco, os traçados que arquitetaram a dinâmica da cidade, da construção de JK e dos tantos anônimos JKs, candangos, aventureiros, sonhadores, trabalhadores, construtores, de tantos cantos, de tantos jeitos, queriam vencer na vida, deixaram para trás a aridez do sertão ou algum passado por ser tão árido, sei lá o quê, deixaram pra trás, olharam pra frente, se é vero, se mente; tão diferentes mas todos iguais, na esperança que trouxeram no peito, na alma.
Brasília acolheu habitantes de outras terras, brasileiros, estrangeiros, seu sonho, seu voto, seu vento; não exigiu passaporte, sobrenome, currículo ou referência, não perguntou o que queriam aqui, de onde vieram, confissões, ficha limpa, declaração de imposto de renda… Não escolheu, só acolheu. Se conselho valer, falou para os seus e para os seus recém-seus: “Estude, trabalhe, seja do bem”.
Quando a casa está cheia, uns ficam no quarto, outros na sala, outros com pouso precário, uns jantam e repetem, outros comem a marmitinha, outros se tiverem algo no armário. Vacina, merenda, escola, trabalho, um teto, o que pôr na sacola. A beleza do céu, nem para todos foi o paraíso. Enfim, Brasília amou como pôde.
Chegou aos sessenta, nem tudo aguenta, já não tem a pujança de uma criança de pernas espertas para tanta andança; a rebeldia do jovem roqueiro tomou outros rumos…
É bem verdade. Foi palco de vergonhas nacionais, decidiu com miopia e alguns ficaram pra trás, se fosse mais igualitária teria mais paz, engoliu muita coisa que já não dá mais, perfeita não é, está em construção, acolheu tanto Zé, Maria, João, dão culpa a ela, eu acho que não…
Cidade abraçante, quadradinho globalizado, fria para alguns, no coração dessa sessentona charmosa, acolhedora, amorosa, lindona, sempre cabe mais um.
Parabéns, Brasília, obrigado por ser assim, desde a profecia de Dom Bosco, a capital da esperança!